
Conhecida mundialmente como 'Paraíso das Águas', Maceió é a pior capital brasileira em saneamento básico
Na capital, só 28% da população tem saneamento básico; em Alagoas, são 22,9%; dados do Instituto Trata Brasil mostram que índices afastam alagoanos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que preconiza 90% da população com tratamento de esgoto até 2033
Por Valdete Calheiros - repórter / Bruno Martins - revisão / Adailson Calheiros - foto da capa | Redação Valdete Calheiros
Maceió é a pior capital do Brasil quando o assunto é saneamento básico. A cidade ocupa a 89ª posição no Ranking Nacional do Saneamento 2024 do Instituto Trata Brasil, feito em parceria com a GO Associados, divulgado no mês passado. Entre as cidades nordestinas no ranking, Maceió se destaca com a segunda pior colocação. Perde apenas para Juazeiro do Norte, no Ceará. Na capital alagoana, apenas 28% da população é coberta pelo saneamento.
As estatísticas conferiram à capital alagoana a nota 3,97, em uma escala cuja nota mais alta é 10. Esta foi a 16ª edição do Ranking Nacional do Saneamento, que teve como foco os 100 municípios mais populosos do país. Os indicadores têm como base o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), com dados de 2022, publicado pelo Ministério das Cidades. Naquele mesmo ano, Maceió despejou 13.716,12 mil m³ de esgoto na natureza sem tratamento.
A capital Maceió tem 71% da população sem acesso a tratamento de esgoto. Conforme o Instituto Trata Brasil, o investimento da capital alagoana é o 7º menor do Nordeste, em média R$ 62,78 por habitante a cada ano, estando acima apenas dos valores aplicados em saneamento básico em João Pessoa-PB (R$ 46,05) e São Luís-MA (R$ 48,83). Em Fortaleza-CE, a média de investimento é de R$ 125,27; em Recife-PE, R$ 116,60; em Salvador-BA, R$ 97,67; Teresina-PI, R$ 163,08; Natal-RN, R$ 217,44; e Aracaju-SE, R$ 147,40.
No ranking de 2023, Maceió ocupava a posição nº 93 entre os 100 municípios com a situação de saneamento básico analisada. Já em 2024, ao aparecer em 89º lugar, a cidade – apresentada ao mundo e ao Brasil como o paraíso das águas – teve uma variação positiva de quatro lugares em relação ao ranking anterior, porém um crescimento acanhado. O ranking de 2025 será divulgado apenas no próximo ano.
De acordo com dados do SNIS, 76,3% da população alagoana tem acesso à rede de água, mas apenas 22,9% dela conta com coleta de esgoto e apenas 17,2% do esgoto gerado é tratado.
O resultado ainda está muito aquém do que defende a Lei 14.026/2020, conhecida como o “Novo Marco Legal do Saneamento Básico”, que preconiza que 99% da população tem que ter acesso à água tratada e pelo menos 90% dela precisa ter coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033. Faltam apenas oito anos para realizar melhorias nos serviços prestados.

Se concretizada, a universalização do saneamento não será uma conquista apenas dentro das torneiras ou na rede de esgoto, uma vez que impulsionará saúde, educação, turismo, setor imobiliário e emprego em Alagoas.
Já é comprovado que ao ter acesso ao saneamento os jovens têm melhores desempenhos na escola, os trabalhadores ficam mais saudáveis e, portanto, com mais rendimento no mercado de trabalho. Cada real investido em saneamento gera R$ 8,50 em ganhos sociais. O cenário melhora um pouco quando falamos que 86% da população recebe água pela rede geral.
De acordo com dados do SNIS, dos 3,3 milhões de moradores do estado, mais de 2,6 milhões de pessoas não são atendidas com coleta de esgoto.
Desta forma, o Ranking do Saneamento 2024 liga um alerta, seja para as capitais brasileiras, em especial Maceió, como também para os municípios nas últimas posições, para que possam atuar pela melhoria dos serviços e priorizar o básico.
O Ranking do Saneamento 2024 é composto pela análise de três “dimensões” distintas do saneamento básico de cada município: “Nível de Atendimento”, “Melhoria do Atendimento” e “Nível de Eficiência”.
A falta de saneamento básico continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil. Segundo levantamento do Instituto Trata Brasil, apenas em 2024, mais de 344 mil brasileiros foram internados por doenças associadas à ausência de saneamento, como diarreias, verminoses, infecções de pele e enfermidades transmitidas por mosquitos – a exemplo da dengue e da chikungunya.

A Região Nordeste foi responsável por 27,2% das internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) no ano passado, com destaque para Maranhão, Bahia, Ceará, Pernambuco e Alagoas.
Em Alagoas, 43,8% das internações ocorreram por doenças transmitidas por insetos vetores, evidenciando a conexão entre a falta de saneamento e surtos provocados pelo mosquito Aedes aegypti.
Em 2022, o estado registrou 9.052 internações por doenças de veiculação hídrica e respiratórias, com maior concentração no Leste Alagoano (6.468 casos), seguido pelo Agreste (1.461) e pelo Sertão (1.123).
Saneamento em Alagoas é de responsabilidade de uma estatal e três empresas privadas
Alagoas conta com três empresas privadas no setor de prestação de serviços de água e de esgoto para atender a população, além da Casal (Companhia de Saneamento de Alagoas), que ainda é responsável pelos serviços de saneamento em 77 municípios. Apesar da quantidade de concessionárias, os números sobre saneamento básico ainda estão longe do ideal. A Casal é uma sociedade de economia mista estadual.
A BRK Ambiental opera na Região Metropolitana de Maceió, a Verde Alagoas é responsável pelo Litoral Norte e Zona da Mata, enquanto a Águas do Sertão atua no Agreste e no Sertão do estado.
Arsal
A regulação e a fiscalização seguem sob a responsabilidade da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (Arsal). A agência afirmou que tem, entre as suas atividades típicas na área de saneamento, a missão de fiscalizar a execução do contrato pelas concessionárias do bloco A, B e C, que são: BRK, Águas do Sertão e Verde Alagoas.

“Essas concessionárias são fiscalizadas em trabalhos de rotina e em ações emergenciais. As mesmas têm que fazer os investimentos que estão no contrato, têm que prestar o serviço de qualidade ao usuário”, detalhou a Arsal. A agência disse ainda que também recebe reclamações de usuários através da ouvidoria.
Com base nas informações repassadas pelos usuários durante as reclamações, acrescentou a agência, são solicitadas informações às concessionárias. As empresas são obrigadas a fornecer tais informações.
“Quanto à universalização do serviço de saneamento, existe a previsão legal e está se desenvolvendo. As empresas buscam financiamentos bancários e investimentos próprios, recursos próprios. O estado tem buscado também parcerias com o governo federal, bem como viabilizado com o Banco do Nordeste e a Caixa Econômica Federal”, divulgou a Arsal.
Apesar dos contratos de concessão prometerem a universalização do acesso à água tratada e coleta e tratamento de esgoto daqui a um prazo máximo de oito anos, milhares de famílias alagoanas ainda vivem em áreas sem acesso à água tratada ou coleta de esgoto.
A advogada Andréia Feitosa, mestre em Direito Público com ênfase em saneamento e infraestrutura sustentáveis, reforça a urgência de investimentos robustos e eficazes, especialmente nas regiões mais carentes do estado.
“O saneamento básico é um direito humano e está diretamente ligado à dignidade e à saúde. Em Alagoas, ainda temos comunidades inteiras que vivem sem acesso à água limpa ou à coleta de esgoto. Isso gera doenças evitáveis, sobrecarrega o sistema de saúde e compromete o desenvolvimento social. Precisamos de mais agilidade e compromisso no cumprimento das metas de universalização”, destacou Andréia Feitosa.
Desde 2009, o Instituto Trata Brasil monitora os indicadores dos maiores municípios brasileiros, com base na população, com o objetivo de dar visibilidade a um problema histórico. Hoje, cerca de 32 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água potável e 90 milhões vivem sem coleta de esgoto, com impactos diretos na saúde. A situação causa problemas na saúde da população que diariamente sofre hospitalizada por doenças de veiculação hídrica.
'O saneamento básico é um direito humano diretamente ligado à dignidade e à saúde. Em Alagoas, temos comunidades sem acesso à água limpa e à coleta de esgoto. Isso gera doenças evitáveis, sobrecarrega o sistema de saúde', destaca Andréia Feitosa.

(Foto: Adailson Calheiros)
Para advogada, tema deve estar sempre no centro das discussões públicas
A advogada Andréia Feitosa explicou que, nos últimos anos, o governo de Alagoas, em parceria com as três concessionárias privadas, tem anunciado investimentos significativos na ampliação do saneamento.
Verde Alagoas, BRK e Águas do Sertão, salientou a advogada, têm metas contratuais de universalização que preveem a expansão da rede de abastecimento de água, a construção de estações de tratamento de esgoto e a ampliação da cobertura em áreas urbanas e rurais.
“Entretanto, os desafios persistem, principalmente no interior do estado, onde muitas comunidades continuam invisibilizadas pelas políticas públicas e pelos investimentos”.

Para Andréia Feitosa, é fundamental que o saneamento seja tratado como prioridade absoluta e política de Estado, e não apenas como prestação de serviço.
“A água e o esgoto não podem ser vistos como luxo. São direitos. E para que esses direitos cheguem a todas as casas, é preciso mais fiscalização, planejamento e coragem política para enfrentar as desigualdades históricas. Não podemos seguir naturalizando que em pleno 2025 ainda existam crianças sem acesso à água potável”, concluiu.
“Em ano de janela eleitoral nos municípios brasileiros, saneamento básico precisa estar no centro das discussões. A máxima de que tratar esgoto não dá voto precisa ser revista. Saneamento básico é solução para a maioria dos problemas sociais”, frisou Andréia Feitosa.
Os dados do SNIS apontam que o país ainda tem grandes dificuldades com a coleta e o tratamento de esgoto. Comparando os dados do SNIS, anos-base de 2021 e 2022, a coleta de esgoto subiu de 55,8% para 56%, aumento de apenas 0,2%. E o tratamento foi de 51,2% para 52,2%, crescendo somente 1%. De acordo com os dados mais recentes, mais de 5,2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.
Na comparação entre os 20 melhores municípios e os 20 piores, é possível inferir a correlação entre o volume de investimentos e os avanços nos indicadores de saneamento básico.
Neste sentido, um indicador notável é o Investimento Médio por Habitante, pois permite comparar os grupos dos 20 melhores e dos 20 piores com base na distância relativa dos níveis de investimentos em relação àquele estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de R$ 231,09 por habitante.
O Plansab consiste no planejamento integrado do saneamento básico considerando seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos, além de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. O planejamento possui o horizonte de 20 anos (2014 a 2033).

Os 20 melhores municípios apresentaram um investimento anual médio no período de 2018 a 2022 de R$ 201,47 por habitante, cerca de 13% abaixo do patamar nacional médio para a universalização.
Já os 20 piores municípios tiveram um investimento anual médio no mesmo período de R$ 73,85 por habitante, cerca de 68% abaixo do patamar necessário.
A presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, explicou que esta edição do ranking destacou que, além da necessidade de os municípios alcançarem o acesso pleno à água potável e ao atendimento de coleta de esgoto, o tratamento dos esgotos é o indicador que está mais distante da universalização nas cidades, mostrando-se o principal gargalo a ser superado.
“Temos menos de 10 anos para cumprir o compromisso de universalização do saneamento que o país assumiu para com os seus cidadãos. É preciso trazer o saneamento para o centro das discussões. A chegada do saneamento promove saúde, reduz as doenças e aumenta a produtividade”.
Na avaliação de Luana, os impactos do saneamento vão além da economia e chegam também ao turismo. Outro pilar relevante dos benefícios econômicos é a valorização imobiliária. A melhoria da infraestrutura urbana atrai investimentos, eleva o valor dos imóveis e reforça a segurança jurídica sobre os bens, ampliando o patrimônio das famílias e estimulando o mercado da construção civil.

“É um ganho para todo o desenvolvimento econômico e social do Estado. O turista vai procurar sempre um local com natureza conservada, com rios limpos, mares não poluídos. Ele também busca segurança sanitária, livre de doenças de veiculação hídrica, como diarreia. Tudo isso está diretamente ligado ao saneamento básico”, afirmou a presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
Sócio executivo da GO Associados, Gesner Oliveira afirmou que esta edição do Ranking do Saneamento baseia-se no SNIS 2022, o que implica haver ao menos dois anos de dados desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, em 2020.
“Como esperado, o setor começa a reagir e a observar melhora em alguns indicadores, sobretudo nos municípios onde ocorreram leilões recentemente. No entanto, o avanço ainda é tímido e se quisermos atingir a universalização em tempo hábil até 2033, é necessário que o investimento anual mais do que dobre, saindo de seus R$ 22 bilhões anuais para quase R$ 47 bilhões anuais, conforme estimativas do Plansab. Tal mudança só ocorrerá havendo uma enorme coordenação entre todos os agentes, supervisionada pelo poder público. Neste sentido, é imprescindível que o saneamento básico seja uma política de Estado, e não de governo”, ponderou.
Instituto Trata Brasil
O Instituto Trata Brasil (ITB) é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que surgiu em 2007 com foco nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.
Tornou-se uma fonte de informação ao cidadão para que reivindique a universalização deste serviço mais básico e essencial para qualquer nação. O ITB produz estudos, pesquisas e projetos sociais visando conscientizar o cidadão comum do problema e, ao mesmo tempo, pressionar pela solução nos três níveis de governo. A proposta é que todos conheçam a realidade do acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos e busquem avanços mais rápidos.
Segundo o Instituto Trata Brasil, estudantes alagoanos com acesso ao saneamento obtêm, em média, nota 530 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) contra 469 dos que não têm acesso, uma diferença de 11,5%. Na redação, a diferença é ainda maior. Sobe para 18,5%.
Na educação, a falta de acesso também impacta a escolaridade. Estudantes que vivem em casas sem água encanada ou coleta de esgoto apresentam, em média, 11,1% e 12,1% menos anos de estudo, respectivamente.
A relação entre o acesso ao saneamento básico e a renda dos trabalhadores brasileiros – e, naturalmente, dos alagoanos – é direta e significativa.
Estudos baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022 confirmam que o saneamento impacta de forma positiva a produtividade e os rendimentos do trabalho.
De acordo com o levantamento, a média salarial de trabalhadores com acesso à coleta de esgoto é 4,5% superior à daqueles que não dispõem desse serviço, mesmo considerando as idênticas condições de empregabilidade, como grau de escolaridade e tempo de experiência. Já quem mora em áreas com rede de abastecimento de água recebe, em média, 3,1% a mais.
A ausência de sanitário de uso exclusivo na residência tem impacto ainda mais significativo, com uma redução de 17,6% na renda do trabalhador.
Uma parcela específica da população sofre de forma ainda mais particular: os quilombolas. O Ministério Público Federal (MPF) promoveu, no dia 25 de março deste ano, mais uma reunião para discutir a situação da comunidade quilombola Pixaim, localizada na foz do Rio São Francisco, no município de Piaçabuçu, Litoral Sul de Alagoas. Sem água e sem esgoto, os remanescentes vivem como seus antepassados: pegando água em cacimbas.

Sob a coordenação do procurador da República Eliabe Soares, a reunião teve o objetivo principal de apurar iniciativas voltadas ao acesso à água e ao saneamento básico na comunidade. Durante o encontro foi debatida a possibilidade de perfuração de um poço com chafariz na comunidade de Pixaim, entre outras comunidades prioritárias.
Quanto ao saneamento básico, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) apresentou o programa Cultivar Água, que pode ser uma alternativa para implantação de fossas agroecológicas na região, considerando as especificidades do solo e a dinâmica da comunidade. A ideia é o desenvolvimento de um projeto piloto, com envolvimento dos moradores na execução e no acompanhamento da iniciativa.
O MPF acompanhará a evolução das medidas propostas e cobrará a execução dos compromissos assumidos, reafirmando a urgência de soluções efetivas para garantir condições dignas de vida às famílias da comunidade quilombola Pixaim.
Faltam ainda passos largos para universalizar o saneamento básico. Pelo menos é o que apontam os dados presentes no Painel Saneamento Brasil. Segundo os números, 74,1% da população alagoana é abastecida com água potável e somente 17,9% conta com coleta de esgoto.
Além disso, apenas 20,5% do esgoto produzido é tratado – índice inferior à média nacional de 51,2%. O estado do Nordeste brasileiro ainda enfrenta dificuldades em controlar as perdas na distribuição, já que 46,9% do recurso hídrico é perdido antes de chegar às residências.
Universidade Federal de Alagoas acompanha o saneamento básico no estado sob a perspectiva científica
Na avaliação da professora Nélia Calado, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o saneamento básico em Alagoas é muito precário. Segundo ela, o panorama atual do sistema de drenagem urbana dispõe de poucas informações e ausência de plano de ações, além de estar mais focado nas ações emergenciais.
“Quanto aos resíduos sólidos, mais de 90% da população alagoana é atendida com coleta domiciliar e 82,4% dos municípios têm coleta de resíduos especiais (industriais e hospitalares), que embora seja maior que a média nacional, de 81%, é acanhado e é visível o lixo jogado em ambientes públicos e cursos de água. A coleta seletiva é insignificante, com menos de 0,4% do lixo potencialmente reciclável e conta somente com 20 associações de catadores”.
Conforme as explicações da professora, o serviço de abastecimento de água atende somente a 76,2% da população alagoana. Com relação ao esgotamento sanitário, o percentual é bem pior, com apenas 19,5% da população tendo acesso a esse serviço.
Ainda conforme Nélia Calado, o serviço de abastecimento de água atende apenas a 87% da população maceioense, maior que a média brasileira que é de 84%, o que mostra que o Brasil tem muito o que melhorar. A Casal, acrescentou a professora, é responsável pela produção de água potável, em um misto de água superficial tratada em estações de tratamento de água (ETA) e poços profundos, que posteriormente é distribuída pela BRK Ambiental. A empresa vem trabalhando fortemente no controle de perdas, principalmente as financeiras, mas sem avanços significativos na ampliação da cobertura da população atendida.

“Quanto ao esgotamento sanitário, esse percentual é bastante tímido, apenas 38% da população é atendida com esse serviço, que é realizado em parte pela BRK Ambiental e outra pela Casal através da Sanama (consórcio para o esgotamento sanitário de uma parcela da parte alta de Maceió). O restante da população (62%) utiliza soluções individuais de fossa séptica seguidas de sumidouros (infiltrações no solo), ou apenas fossas negras para as águas de vasos sanitários, destinando as demais águas nas sarjetas do sistema de drenagem, ou que simplesmente escoam a céu aberto e que comprometem a qualidade do solo e das águas superficiais (córregos, riachos e praias)”, salientou.
Os esgotos coletados pela rede pública, detalhou a professora, são destinados a estações de tratamento de esgotos (ETE). A maior ETE é operada pela BRK, com tratamento a nível primário, compatível com o requerido para descarte oceânico por meio de emissário submarino a distância de 2,8 quilômetros da costa. As outras duas ETEs possuem tratamento até nível terciário, tendo como corpo de água o Riacho Reginaldo (ETE da BRK) e o Riacho Doce (ETE da Sanama).
Segundo a professora, no que diz respeito ao abastecimento de água e esgotamento sanitário, o investimento na estrutura física deve ser feito pelas concessionárias ganhadores dos leilões, cobrando que elas cumpram o investimento proposto dentro dos prazos previstos em contrato, e para isso a fiscalização aliada à atuação da Arsal (agência reguladora) é imprescindível.
Nélia Calado é engenheira civil, com especialização em Recursos Hídricos. Tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo. Foi coordenadora do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Ufal, superintendente de infraestrutura da Ufal e diretora de planejamento e superintendente de Desenvolvimento Organizacional da Casal, onde desenvolveu e coordenou projetos de saneamento para Alagoas.
Atualmente é professora titular e pesquisadora do Centro de Tecnologia da Ufal, coordena o Laboratório de Saneamento Ambiental e é líder do Grupo de Tratamento de Resíduos da Ufal. Tem experiência na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em Planejamento Estratégico, Técnicas Avançadas de Tratamento de Águas, atuando principalmente nos seguintes temas: águas de produção, resíduos sólidos, reatores sequenciais em batelada, resíduos de petróleo, aterro sanitário e indicadores de saneamento.

O que você precisa saber sobre Maceió (Fonte: Instituto Água e Saneamento)
- 86,91% da população é atendida com abastecimento de água, frente à média de 76,2% do estado e 84,24% do país; 125.404 habitantes não têm acesso à água;
- 28,1% da população é atendida com esgotamento sanitário, frente à média de 19,5% do estado e 55,5% do país; o esgoto de 688.734 habitantes não é coletado.
Prefeitura de Maceió
A prefeitura de Maceió explicou que o saneamento básico não é de competência da prefeitura e sim do governo do estado. A Arser (Agência de Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos de Maceió) fiscaliza a execução de obras, que por diversas vezes interfere na pavimentação já feita na cidade.
Casal
A Casal explicou que o compromisso com obras, ampliação e gestão das redes coletoras de esgoto é das concessionárias privadas.
Em 2020 e 2021, Alagoas passou por um processo de concessão dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário em 102 municípios com divisões em blocos (A, B e C).
A outorga do bloco A foi de R$ 2 bilhões, a outorga do bloco B foi de R$ 1,2 bilhão e a outorga do bloco C foi de R$ 430 milhões. Com as concessões, o estado passa a ter parte dos municípios com os serviços de saneamento sob o gerenciamento da iniciativa privada.
As 16 cidades atendidas diretamente pela Casal são Arapiraca, Batalha, Campo Alegre, Campo Grande, Canapi, Coite do Nóia, Craíbas, Estrela de Alagoas, Girau do Ponciano, Jacaré dos Homens, Lagoa da Canoa, Major Izidoro, Minador do Negrão, Olho d’Água Grande, Olho d’Água das Flores e São Sebastião.

“A Casal, em parceria com o governo do estado, vem realizando importantes investimentos para ampliar e melhorar os serviços de saneamento em Maceió e no interior do estado. No segmento de abastecimento de água, uma das ações de destaque no ano passado foi o reforço na produção do Sistema Coletivo da Bacia Leiteira (SCBL), que abastece 19 municípios. Com um investimento superior a R$ 10 milhões, foram adquiridos dois novos conjuntos motobombas, garantindo o pleno funcionamento do sistema e beneficiando diretamente mais de 200 mil pessoas”.
A Casal afirmou que até o momento já foram investidos aproximadamente R$ 200 milhões em obras que incluem a implantação de 90 mil metros de redes coletoras, 24 mil metros de coletores-tronco, 23 mil metros de linhas de recalque, a construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Benedito Bentes, 12 estações elevatórias de esgoto e mais de 10 mil ligações domiciliares.
“Estão previstos ainda mais R$ 40 milhões em investimentos para ampliar o sistema, garantindo a continuidade da expansão e a universalização dos serviços de esgotamento sanitário na região”, finalizou.
BRK
A BRK atende os 13 municípios da Região Metropolitana de Maceió, 10 dos quais com concessão compartilhada com a Casal. Segundo a BRK, foi em 2024, pela primeira vez, após cinco anos consecutivos, que a capital alagoana apresentou um avanço no ranking de saneamento dos municípios brasileiros, subindo quatro posições. A BRK atende mais de um milhão de pessoas nas 13 cidades.
A meta da companhia, que tem uma concessão de 35 anos, é universalizar o serviço de água até 2027, reduzindo as perdas para no máximo 25% em 20 anos.
A Casal é responsável pela produção da água distribuída pela empresa em Barra de São Miguel, Coqueiro Seco, Maceió, Messias, Murici, Paripueira, Pilar, Rio Largo, Satuba e Santa Luzia do Norte.

Apenas em Atalaia, Barra de Santo Antônio e Marechal Deodoro a BRK é responsável por todas as etapas de abastecimento de água. A BRK é responsável pelos sistemas de serviços de esgotamento sanitário atualmente existentes em todos os 13 municípios, exceto nos bairros da parte alta de Maceió, onde os serviços de esgoto são prestados por Sanama e Casal.
“De todo modo, a concessão tem metas contratuais bem definidas para a universalização dos dois serviços em todos os 13 municípios - até 2027 para acesso à água e 2033 para esgotamento sanitário. A Barra de São Miguel será o primeiro município a alcançar a universalização dos serviços de esgotamento sanitário. As obras de esgoto em Marechal Deodoro também estão bem avançadas”, adiantou a BRK.
Ainda conforme a BRK, desde julho de 2021 até dezembro de 2024, a empresa já aplicou R$ 777 milhões no setor, o que equivale a cerca de meio milhão de reais investidos por dia desde o início da operação. “E esse ritmo vai se intensificar nos próximos cinco anos: mais de R$ 1,5 milhão será investido diariamente para acelerar a universalização do saneamento no estado”, assegurou.
Águas do Sertão
A Conasa Águas do Sertão garantiu que avança com investimentos e sustentabilidade em Alagoas. “Temos demonstrado um forte compromisso com a expansão dos serviços de saneamento básico e sustentabilidade em Alagoas, reafirmando a meta estabelecida no contrato de concessão para universalizar o acesso à água até 2027 e ao esgoto até 2033”.
Responsável pelos serviços de saneamento em 34 municípios e 151 localidades das regiões do Baixo São Francisco, Agreste e Sertão de Alagoas, com cidades como Penedo, Delmiro Gouveia, Santana do Ipanema e Palmeira dos Índios, a empresa já pagou uma outorga de R$ 1,2 bilhão e investirá um total de mais de R$ 1,89 bilhão até o final do contrato. Esses recursos estão sendo direcionados para modernizar a infraestrutura hídrica e ampliar o acesso ao saneamento no interior do estado, beneficiando 570 mil pessoas.
“Desde que iniciamos as operações em setembro de 2022, a Conasa Águas do Sertão já investiu até o momento R$ 149 milhões em diversas áreas, incluindo: R$ 15 milhões em melhorias no sistema de água; R$ 57 milhões em expansão e modernização do sistema de esgoto e R$ 77 milhões em melhorias operacionais e redução de perdas”.

Conforme a empresa, para este ano, outros R$ 308 milhões já estão programados, expandindo significativamente os serviços de água e esgoto na região. “Já realizamos mais de 25 mil novas ligações de água, representando um avanço de 18%, e 20 mil novas ligações de esgoto, com um avanço de 111%. Além disso, a cobertura de esgoto já aumentou em 21,4%. Três municípios – Igaci, Jaramataia e Olho d’Água do Casado – já foram universalizados, garantindo acesso aos serviços de saneamento para toda a população”.
“No ano passado, impactamos positivamente a sociedade alagoana, proporcionando esgotamento sanitário para 31 mil imóveis e acesso à água para 11 mil imóveis. Além disso, realizamos 56 mil fiscalizações, resultando na recuperação de mais de 26 bilhões de litros de água e na identificação de 6.390 fraudes. A Tarifa Social também foi ampliada, beneficiando agora mais de 10.500 famílias que tiveram o cadastro facilitado com a realização de mais de 60 mutirões em diversas comunidades”, resumiu.
“A Conasa Águas do Sertão demonstra preocupação com a sustentabilidade, utilizando fontes de energia limpa para 75% do consumo em seus sistemas. Essa iniciativa contribui para a redução de emissões de gases de efeito estufa, reforçando o compromisso da empresa com uma matriz energética mais limpa e sustentável. A empresa também tem um impacto significativo na geração de empregos, com 1.150 empregos diretos e indiretos. Estamos construindo um legado de desenvolvimento e bem-estar para as futuras gerações. Acreditamos que o saneamento básico é um direito fundamental e estamos trabalhando incansavelmente para garantir que todos os alagoanos tenham acesso à água de qualidade e ao esgoto tratado”, afirmou o diretor da Águas do Sertão, Antonio Hercules Neto.
Verde Alagoas
Já a Verde Alagoas é responsável pela administração dos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário em 27 municípios do Litoral Norte e Zona da Mata de Alagoas, pelo período de 35 anos. A empresa tomou as rédeas nessas cidades desde outubro de 2022.
A empresa tem a missão de transformar, gradualmente, o sistema de água e esgotamento sanitário, levando qualidade de vida para mais de 400 mil alagoanos.
“Entre os nossos principais compromissos estão o fornecimento de água com qualidade, monitorada 24 horas por dia, modernização e ampliação de todo o sistema e saneamento básico da população dessas localidades”, assegurou a Verde Alagoas.
A Verde Alagoas é a concessionária responsável pela distribuição de água e tratamento de esgoto nas cidades litorâneas de: Japaratinga, Maragogi, Passo de Camaragibe, Porto de Pedras e São Miguel dos Milagres. Na Região Norte também atende: Campestre, Colônia Leopoldina, Jacuípe, Jundiá, Matriz de Camaragibe, Novo Lino, Porto Calvo e São Luís do Quitunde.

A Verde também atende as cidades de: Anadia, Branquinha, Capela, Chã Preta, Feliz Deserto, Ibateguara, Joaquim Gomes, Mar Vermelho, Maribondo, Paulo Jacinto, Pindoba, Tanque d’Arca, Taquarana e União dos Palmares.
O compromisso com a universalização do saneamento segue firme, conforme a Verde Alagoas, que contabiliza um investimento de R$ 155 milhões em 2025, e, ao longo de toda a concessão, planeja-se um total de R$ 1 bilhão destinado à melhoria da saúde e qualidade de vida da população.
Sindicato dos Urbanitários
A presidente do Sindicato dos Urbanitários de Alagoas, Dafne Orion, afirmou que após mais de quatro anos do início do processo de privatização da água em Alagoas, a única vantagem para a população alagoana é a eficiência nas cobranças, de resto o povo perdeu.
“Para piorar a situação, os investimentos são feitos com recursos públicos, o que é uma contradição total. Além disso, tem a redução dos salários no setor, o que precariza os serviços e piora sua qualidade. A população atingida já percebeu as graves consequências da privatização, demonstrada nos protestos semanais de falta de água, aumento da tarifa e péssima qualidade nos serviços. O povo mais pobre é o que mais sofre com a falta de água. O Sindicato dos Urbanitários alertou para essas consequências que a privatização acarreta, mas, infelizmente, o governo optou por esse caminho”, finalizou.

Legislação
Está em discussão na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe estender o prazo para que todo o país tenha acesso ao saneamento básico. O PL 4888/24 estabelece o ano de 2040 como nova meta para alcançar a universalização dos serviços, substituindo o prazo atual previsto para 2033.
A legislação em vigor determina que, até 2033, 99% da população deve ser atendida com abastecimento de água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. No entanto, o novo projeto admite a possibilidade de prorrogar esse novo prazo por mais cinco anos, caso haja impedimentos técnicos, financeiros ou logísticos.
Autor da proposta, o deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) argumenta que o cronograma atual é desafiador, especialmente para regiões como a Norte do país, onde as dificuldades geográficas e socioeconômicas tornam a implementação da infraestrutura mais complexa e cara.

“O adiamento para 2040 amplia o tempo disponível para planejar e executar os projetos, favorecendo soluções mais viáveis do ponto de vista técnico e financeiro”, justificou o parlamentar.
O projeto será avaliado de forma conclusiva pelas comissões de Desenvolvimento Urbano e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Caso seja aprovado nessas etapas, seguirá para votação no Senado antes de virar lei.
Lei de Saneamento Básico
Sancionada em julho de 2020, a Lei nº 14.026 atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil com o objetivo de ampliar a cobertura de água tratada e esgoto em todo o país. A meta principal da legislação é garantir, até 2033, o acesso de 99% da população à água potável e de 90% à coleta e tratamento de esgoto.
Entre os principais pontos da lei está a obrigatoriedade de licitação para a prestação dos serviços, incentivando a entrada da iniciativa privada no setor. O texto também determina que os contratos passem a incluir metas claras de universalização e melhoria dos serviços, com fiscalização da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
A expectativa do governo e de especialistas é que o marco legal atraia investimentos de até R$ 700 bilhões e ajude a reduzir desigualdades históricas no acesso ao saneamento, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Saneamento no Brasil
Em relação ao cenário nacional, se a falta de acesso à água potável impacta quase 32 milhões de pessoas no país, 90 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto, refletindo em problemas na saúde para a população que diariamente sofre, hospitalizada por doenças de veiculação hídrica. Os dados do SNIS revelam que o país ainda tem grandes dificuldades com a coleta e com o tratamento de esgoto.
Os dados evidenciam a lentidão do país no avanço dessa pauta essencial. O Brasil chegou a 2025 com quase metade da população sem acesso à coleta ou ao tratamento de esgoto.
O cenário escancara desigualdades sociais históricas. Mais de quatro milhões de brasileiros sequer têm banheiro em casa – uma condição que compromete a saúde, a dignidade e a qualidade de vida dessas famílias.

E em Alagoas e na capital, qual a solução, afinal? Nélia Casado afirmou que para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, o governo de Alagoas prevê um investimento de cerca de R$ 10 bilhões para ampliar esses sistemas, visando a meta da universalização de 99% da população com acesso à água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgoto.
“No entanto, são necessárias ações arrojadas de ampliação dos serviços, com tecnologias avançadas, que sejam compatíveis com a realidade socioeconômica da população. Estamos em 2025, até 2033 são apenas oito anos! Apesar dos anúncios de ações e investimentos do governo e das concessionárias que venceram os leilões de abastecimento de água e esgotamento sanitário, se fizermos uma projeção até dezembro de 2033, percebe-se que ainda são acanhadas em relação à meta traçada, não só do ponto de vista técnico como também de satisfação da população com relação aos serviços recebidos”, detalha Nélia Casado.